“Vem por aqui” — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui!”
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
—Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: “vem por aqui!”?
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Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
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Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…
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Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios…
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
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Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
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[José Régio]
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Segue abaixo, o vídeo da Maria Bethânia fazendo uma brilhante interpretação do poema em 1982.
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Foto: Maiko Lima - http://br.olhares.com/
14 comentários:
Oi Hugo
Bom encontrá-lo hoje,já fazia falta e saudade!
Li o post anterior e vi que ficou pra próxima .
A concorrência é muito grande e nao é fácil conseguir logo.
Fundamental é perseverar .
Que o Universo conspire a favor agora para um trabalho que lhe dê prazer.
abraços
Nestes tempos de exacerbação de mediocridades e um senso comum cada vez mais "sem noção", acrítico e hedonista, acho que este é um dos poemas mais apropriados que há. Sem contar que é um dos mais belos que já tenho visto (na minha opinião). Obrigado pela partilha, Hugo. Meu abraço. paz e bem.
Olá Hugo,
«Cântico Negro», um dos poemas maiores do meu país. Na voz de Dona Maria Bethânia, torna-se único.
Muito agradecido.
António
Oi HSLO!
Tava te devendo essa visita faz tempo,né?
Me desculpe pela falha!
Andei arrumando a casa que estava meio abandonada(as vc fiel sempre comentava!)
Já corrigi meu erro te linkei e tô seguindo!
Assim não perderei mais nenhuma postagem sua!
O desabafo foi pra uns blogs que nem entro mais!
Acho que é deseducado não retribuir as visitas!
Por isso te peço desculpas pela minha desatenção!
Não acontecerá mais!PROMETO!
Obrigada por suas visitas e comentários!
Beijo
Afrodite
Olá Hugo
Tudo lindo, o cântico e o vídeo. Bethânia arrasa.
Bjão
Interessante, mas com certeza, as vezes é bom se entregar a outrem...
Fique com Deus, menino Hugo.
Um abraço.
Bethânia e poesia, dupla dose de sensibilidade...para começar a noite!
Bj*
Perfeito amigo.
Forte o poema...
beijooo.
maria Bethania perfeita, sempre!
Olá Hugo!
Percebi sua ausência. Fez falta. Olhe, na vida tudo está sempre certo mesmo que no primeiro momento não o visualizamos assim.
Gostei do poema e quanto ao Cântigo Negro nada há o que dizer apenas que é lindo!
Beijos amigo
Astrid Annabelle
Cara q presente este ... poder ouvir e rever Bethânia interpretando esta beleza de poema ...
Obrigado Hugo
bjux
;-)
Oi Hugo, quantas saudades...
Sinto pela pós, mas serve como experiência e Deus tem seus propósitos. A hora chegará.
Adorei encontrar este texto aqui.
Bjs no coração!
Nilce
Brilhante amigo!
Bjs.
Prefiro seguir por aqui, onde na minha idade luta pela minha liberdade.
Fabuloso Hugo, abraços amigo.
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