quarta-feira, 12 de maio de 2010

Do Livro do Desassossego


Há um cansaço da inteligência abstrata, e é o mais horroroso dos cansaços. Não pesa como o cansaço docorpo, nem inquieta como o cansaço do conhecimento pela emoção. É um peso da consciência do mundo, um não poder respirar com a alma.
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Então, como se o vento nelas desse, e fossem nuvens, todas as idéias em que temos sentido a vida, todas as ambições e desígnios em que temos fundado a esperança na continuação dela, se rasgam, se abrem,se afastam tornadas cinzas de nevoeiros, farrapos do que não foi nem poderia ser. E por detrás daderrota surge pura a solidão negra e implacável do céu deserto e estrelado.
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O mistério da vida dói-nos e apavora-nos de muitos modos. Umas vezes vem sobre nós como um fantasma sem forma, e a alma treme com o pior dos medos – a da encarnação disforme do não-ser.Outras vezes está atrás de nós, visível só quando nos não voltamos para ver, e é a verdade toda no seuhorror profundíssimo de a desconhecermos.
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Mas este horror que hoje me anula é menos nobre e mais roedor. É uma vontade de não querer terpensamento, um desejo de nunca ter sido nada, um desespero consciente de todas as células do corpo eda alma. É o sentimento súbito de se estar enclausurado na cela infinita. Para onde pensar em fugir, se sóa cela é tudo?
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E então vem-me o desejo transbordante, absurdo, de uma espécie de satanismo que precedeu Satã, deque um dia – um dia sem tempo nem substância – se encontre uma fuga para fora de Deus e o mais profundo de nós deixe, não sei como, de fazer parte do ser ou do não-ser.

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[Fernando Pessoa]

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17 comentários:

[Farelos e Sílabas] disse...

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Há quanto tempo não vinha aqui!

Gosto de textos com essa densidade, na verdade, uma sensibilidade ímpar! Gosto das palavras engravidadas desses nuances do desejo, do não-desejo, da dúvida, do que apavora, do que enclausura, enfim, do sentir mais legítimo.

Gosto de Pessoa. Gosto da vivacidade e da espirituosidade na ponta da pena. Gosto porque gosto não se discute. Só sei que me revela e faz-me um bem danado. O peso da consciência. Isso é parte-de-mim neste agora!

Abraço, menino! Saudades!

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Isabel Preto disse...

Cheguei aqui por acaso e já fiquei conquistada, com Fernando Pessoa, de quem sempre gostei e com a música!
Vou voltar outras vezes...Gostei.

RENATA CORDEIRO disse...

Bom Dia! Amo esse desassossego em prosa *pessoana*. Nem sei quem amo mais. Se o Pessoa, ou esta Linda Pessoa chamada Hugo.
Declaro-lhe: o meu amor por você não tem fim888888888888888888

Amor Sem Fim
U2

Corações desencaminhados

Igualei-me a eles

Quando fui embora

Bem quando precisaste tanto de mim

Não te vais arrepender

Voltarei pedindo

Não te esqueças!

Dá as boas-vindas ao Amor

que uma vez conhecemos

Sim

Abre os olhos

E verás

Por que eu disse que o meu Amor

Era sem fim

Preciso-te ao meu lado

Vem ser meu Amor Amado

Jamais serás rejeitado

Amor sem fim

Desde o começo

Abre o coração

Sente o Amor que tens

Amor sem fim

Amor perdura

Amor perdura

Corações desencaminhados

Igualei-me a eles

Quando fui embora

Bem quando precisaste tanto de mim

Não te vais arrepender

Voltarei pedindo

Não te esqueças!

Dá as boas-vindas ao Amor

que uma vez conhecemos

Sim

Quando o Rio do Amor flui

Ninguém realmente sabe

Até que alguém esteja lá para mostrar

O caminho do Amor duradouro

Como o sol o Amor brilha

Incansavelmente o Amor brilha

Sempre serás meu Amor

Amor eterno

Onde quer que o Amor tenha errado

O nosso Amor ainda é forte

Tivemos o nosso próprio Amor

Amor sem fim

Amor perdura

Amor perdura

Abre os olhos

E verás

Por que eu disse que o meu Amor

Era sem fim

Preciso-te ao meu lado

Vem ser meu orgulho

Jamais serás rejeitado

Amor sem fim

Desde o começo

Abre o coração

Sente o Amor que tens

Amor sem fim

Trad. da Renata.

Beijos, querido.

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

Quanto desassossego eim? Ler Fernando Pessoa ouvindo Bethânia é tudo querido ...

bjux

;-)

Arsênico disse...

Complexo!!!

***

@_@

Sandra Gonçalves disse...

Esse desassossego da alma Fernando descreve de forma tão complexa...Eu chamaria de dias ruins.
bjos achocolatados

Dino Calei disse...

o blog que me admira muito.,..,.esto gostando

Daniel Savio disse...

Apenas viver a vida como der, apenas isto no dá força para viver...

Fique com Deus, menino Hugo.
Um abraço.

Anônimo disse...

Ando lendo tanto Fernando Pessoa!
Gosto muito.
Bjs.

Wanderley Elian Lima disse...

Escolher Fernando Pessoa é acertar sempre. Parabéns pela escolha.
Bjux

Juan Moravagine Carneiro disse...

Cheguei em seu espaço através do "momentos"...gostei muito daqui...

abraço

Andy disse...

Prémio para o "Nosso-cotidiano" no meu blog!

Valdeir Almeida disse...

Há uma crise de inteligência que o abstrato não consegue sequer revelar.

Abraços, Hugo, e ótima sexta-feira.

Essência e Palavras disse...

Palavras que sempre nos dizem...

Bela escolha.

beeejo e saudades!

O Profeta disse...

Hoje ofereci as cores da minha paleta
A uma amiga na sua dor
Ouvi seu choro ao meu ouvido
No fatalismo do desamor

Hoje o sono acordou-me
A nostalgia agitou suas asas cinzentas
Esqueci no acordar o ultimo abraço
E contei as nuvens que eram tantas


Abraço

Graça Pereira disse...

Este Desassossego... é mesmo um desassossego!. Pessoa procurou sempre o seu caminho muito próprio, com vários recomeços...como quem levanta de novo as cartas de um baralho...talvez por isso, a necessidade de vários heterónimos...num só corpo, ele sufocava...de múltiplas mortes constituiu a sua existência e, por certo, outros tantos nascimentos...
Pessoa, para mim... é sempre uma surpresa...
penso que o escritor gostaria desta música de fundo...
Beijo
Graça

Poeta Mauro Rocha disse...

Acho que faço parte do "não ser" por apenas "ser" nesse desassossego que me acorda de madrugada...

Um abraço!!