quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Consumir é viver?



Construir a vida boa - essa é a finalidade de uma ação que se fundamenta nos princípios éticos. Na perspectiva da moral, temos muitos critérios e referências para qualificar como boa a vida das pessoas. Há os que julgam que ela é fruto do poder que se exerce sobre os outros. Há também quem a associe à posse de bens e à satisfação de desejos, quaisquer que sejam eles - situações que, na sociedade contemporânea, estão estreitamente ligadas ao consumo. A posse de coisas, de dinheiro e até de pessoas tem sido algo bastante estimulado, revelando valores nem sempre fundamentados em princípios sólidos. Os indivíduos se mobilizam para adquirir aquilo que lhes dê prestígio, os destaque dos demais e os faça ocupar lugares privilegiados no cenário social. Poder comprar é importante, mas poder comprar o que não está alcance de outros é apresentado como garantia de felicidade. A vida boa, feliz, tem sido frequentemente identificada como aquela em que se pode consumir. A imagem do cidadão confunde-se, então, com a do consumidor. 

É importante pensar no papel que a instituição de ensino desempenha nesse contexto e na responsabilidade dos gestores em relação ao que se vivencia no cotidiano educacional. É preciso indagar, criticamente, se a escola - que se propõe a formar cidadãos - não tem contribuído para o desenvolvimento do espírito consumista, assim como que riscos ela corre ao se deixar levar pelos apelos feitos pela mídia, pelos veículos de publicidade e até mesmo pelas famílias. 

No livro A Ética É Possível num Mundo de Consumidores?, cuja leitura recomendo, o pensador polonês Zygmunt Bauman nos alerta em relação a cenários preocupantes no que diz respeito a essa questão. Ele faz referência à Educação como algo que pode contribuir para uma resposta afirmativa à pergunta-título da obra. O processo de ensino e de aprendizado é um movimento de construção da humanidade, de criação e recriação de cultura. Esta, fruto do trabalho, tem como objetivo satisfazer as necessidades humanas. Contudo, ao elaborar os produtos culturais, os indivíduos não atendem apenas às necessidades básicas, mas inventam novos itens indispensáveis. Isso faz parte do que nos constitui como pessoas, porém, a maneira como as necessidades são exploradas em cada contexto social pode ser problemática. É a esse assunto que nos referimos quando falamos em um mundo de consumidores. Em vez do alimento, há um apelo para que busquemos determinados produtos e marcas. Mais que lazer, procuramos aquilo que nos é apresentado como o que faz sucesso. 


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. "Consumir é viver, conviver é sumir", canta Paulinho da Viola em um de seus sambas, no qual traz uma crítica aguda à vida transformada em supermercado, em shopping center. A escola tem de ter claro que conviver é a palavra de ordem não para sumir, mas para aparecer, no espaço político, como participante da construção da sociedade. Daí ser indispensável um projeto de conscientização e de diálogo frequente em relação aos valores que sustentam o trabalho. Se a resposta que dermos a Bauman for negativa, teremos perdido a esperança, que não se compra - é algo que se sente e se partilha. A escola necessita recorrer à ética e criar espaço para que possamos "esperançar". 

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[Texto de Terezinha Azerêdo Rios, publicado na Revista Nova Escola - Gestão Escolar
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Foto: disponível aqui

Um comentário:

Serginho Tavares disse...

um bom texto para ser debatido nas minhas aulas de filosofia e sociologia...

ps: e não deixe de ir no meu novo blog: http://excentricomercurio.blogspot.com.br/
o JeD vai entrar de férias beeeeeeeeeem prolongadas...