domingo, 21 de agosto de 2011

Intimidades do Amor


A superficialidade ou mesmo estereotipação do universo homossexual são habituais em diversos discursos cinematográficos da esfera LGBT. O cinema queer opta por escrever linhas narrativas onde homens apenas executem sua libido, reflexo da testosterona irrefreável. As lentes recorrem aos ângulos que traçam tramas onde o sexo parece ser a única preocupação no território gay — mas o que falar da afetividade que é uma característica sempre a ser discutida? O que torna De Repente, Califórnia um filme único é justamente no seu contorno mais visível: a homoafetividade sem nenhuma afetação. Eleito o melhor filme pelo público no Festival Mix Brasil de Cinema da Diversidade Sexual de 2007, a película apenas quer ser natural, pois centraliza a problemática que acaba por ser a mais tenebrosa da humanidade: a dificuldade em viver um amor de verdade, neste caso o romance se restringe ao senso homossexual. Jonah Markowitz dirige e roteiriza sua idealização de “amor impossível” entre dois homens, como poucos filmes já mostraram. A trama oculta todos os clichês comuns de filmes gays, ausenta-se os comportamentos afetados ao colocar o confronto amoroso — e também sexual — de dois homens que apenas sentem-se atraídos.
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A exploração afetiva é um critério primordial neste filme. Mas não deixa de ser explorada também a dimensão libidinosa, pois os dois homens envolvem-se nesse senso de atração. Existe a tensão do desejo da carne, existe o afeto íntimo. E Markowitz prefere tratar seus dois amantes como homens-másculos, sem as máscaras de estereótipos que condicionam gays a apenas representações afetadas — aqui vemos gays que praticam esportes habituais ao “universo hetero”, o surf. Aqui há homens que são enérgicos, de comportamento que expressa bem o grau de virilidade. Zach (Trevor Wright) é um garoto que tem que cuidar de uma família problemática. Administra as ausências maternas da irmã Jeanne (Tina Holmes), jovem negligente que prefere priorizar seus casos amorosos a cuidar do filho, e cuida do sobrinho Cody que o enxerga como um pai verdadeiro. Em toda sua vida, sempre se relacionou com garotas, sendo o último namoro ainda bastante marcante. Quando conhece Shaun (Brad Rowe), um escritor que volta para casa dos pais para escrever o próximo livro, é que seu destino sofre a catarse. Ambos tornam-se companheiros de surf, amizade crescente e um envolvimento revelador. Como conter os desejos que uma vida nunca apresentou? A amizade de Zach com Shaun gradua-se numa intimidade que nem mesmo eles entendem, é quando a libido é despertada por algo maior: um sentimento capaz de mudar tudo e a todos. A expressão de sua homossexualidade se torna o catalisador de todas as suas transformações. Zach percebe que o universo masculino é atraente e provoca variantes desejos.
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O titulo original do filme tem muito mais sentido — “Shelter” significa abrigo. E é justamente esse sentido: Zach encontra em Shaun um conforto, um alicerce, um suporte. O amor é um abrigo que o acolhe, a proteção para todas suas dores humanas. É possível conter um desejo que parece transbordar de puro sentimento? Quando as sensações se confundem é que o ser humano mais vive em conflito — como representante militante sobre universo homossexual, é óbvio que este filme trata também das dificuldades de um homem aceitar-se na condição de homossexual, sem afetação alguma. Zach tem que enfrentar não só sua família, mas seu próprio interior que despreza esse sentimento que nunca havia explorado. Interessante que o roteiro é cuidadoso em mostrar como se fundamenta, e até inevitável é, a atração entre os dois — sequências de diálogos íntimos que contornam os olhares, a exploração da convivência, para depois externar a libido que é incontrolável. A primeira vez que ambos se beijam é natural, pura ternura, mas demonstra bem a química de desejo que esses dois homens vivenciam. A partir disso, inicia-se um discurso onde Zach tem que lutar contra privações, visto que há não só um desejo, mas um amor que é capaz de elevar suas percepções para um novo mundo. E o filme pontua a maneira como, quase sempre, o homossexual acaba por se auto-flagelar; a se punir por algo que sente, à beira do medo de ser descoberto pela sociedade predatória. Mas, como reprimir um tesão que nunca atenua? E como não se anular pelos preconceitos externos?
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Ao contrário do que se espera, o filme não se concentra em diversas sequências de sexo. Porém, as que existem provocam, por conta do realismo e da forte propulsão maliciosa dois atores em cena. Tanto Trevor Wright como Brad Rowe não parecem tímidos nos diálogos íntimos, em beijos emotivos ou mesmo na cena onde transam pela primeira vez, momento que evidencia bem a tensão selvagem orgástica dos dois. Não é apelativo, mas é sensual. O que torna esse filme ainda mais justo com o universo homossexual é que ele lida bem com as dores, mas também com os prazeres adquiridos por essa sociedade homossexual que enfrenta o preconceito social, a aceitação íntima também. A direção de Jonah Markowitz prefere que os atores direcionem suas cenas, sem nenhuma ousadia estética, somente a da excelente harmonia interpretativa. Tanto os dois protagonistas como o restante do elenco pontuam muito bem as sensações, percepções e contextos humanos da diversidade sexual. A questão da homofobia é apresentada também aqui. Mais que uma discussão sobre problemáticas da opção sexual, é uma trama que aponta como é necessário escolhas — afinal, através delas, que destinos podem ser transformados a todo instante. Eis um exercício cinematográfico que desmistifica a concepção de homossexualidade como algo só trágico, afetado ou depressivo. Um filme sensível, íntegro e autêntico.
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Postagem cedida pelo blog Apimentário

9 comentários:

Vivian disse...

...uma pergunta que não
cala:

o amor reconhece sexo?

bjokas, amore!

boa semana, Huguito lindo!

Chris B. disse...

Parece ser bem legal!
As pessoas esquecem que os homossexuais são pessoas normais que amam, se apaixonam e vivem como qualquer casal hetero... com menos complicações acredito, porque não existe TPM ;) ou existe?

Um Beijo Hugo Querido.

Cora disse...

Hugo, acho que as relações em geral estão muito banalizadas!
Todas as pessoas hoje me dia só terminam a balada com sexo...!
Infelizmente isso fica configurado ao universo gay...!
Mas o amor real existe, o afeto, o carinho, as relações onde existem cúmplicidade e admiração.
Sua resenha está perfeita.
Vou assistir ao filme.

Rabisco disse...

Parece ser uma boa proposta.
Obrigado!

Abraço

http://rabiscosincertossaltoemceuaberto.blogspot.com/

Graça Pereira disse...

O amor tambem tem sexo mas, a parte mais importante é o afecto, a sensibilidade, o carinho, o sonhar juntos, o ser "muito másculo" e "muito feminino" na entrega dos seus sentimentos.
É preciso que venham muitos filmes como este para desmistificar a homosexualidade! Os amaricados...só alteram a realidade.
Beijocas.
Graça

Anônimo disse...

Dificil não se apaixonar pelos personagens e pela estória desse filme, que tanto mostra a realidade do descobrimento de si, de todo homossexual !!
Abraço Hugo !!

Danilo Moreira disse...

Pois é, homossexualidade é um assunto que está em alta, e é bacana vários veículos discutirem sobre o assunto. O perigo é que essa proposta de discussão acabe por se tornar algo banalizado, ou ainda, estereotipado.

Pelo que você descreveu, o filme parece interessante.

Abçs!!!

Danilo Moreira

Quando puder:
http://blogpontotres.blogspot.com/
Miniconto - Ela

Graça Lacerda disse...

OLá, Hugo!

Quanto tempo, meu querido amigo!

- Amor é Amor e c'est finis.
Pt saudações!!!

Que seus dias estejam alegres e sorrisos aflorando em sua alma de jovem lindo que é!

E como vai indo seu plano de mestrado? Se quiser contar, quero saber...

Um grande beijo, querido.
Esteja com Deus!

Jean disse...

Olá, eu amei esse filme é muito bom, eu me emocionei, foi uns das minhas inspiração no amor.
Aconselhável que assistem

Poesias e mini-contos acessem
http://jewpoesias.blogspot.com/

Abraços